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Pandemia COVID-19: parir no SUS.

Sou obstetra e trabalho no SUS. Desde o início de 2020, temos vivido diversas mudanças em nossa rotina hospitalar devido aos cuidados com pacientes suspeitas de infecção pelo novo coronavírus. Essas pacientes devem ficar isoladas, e os profissionais de saúde que as atendem devem usar EPIs (equipamentos de proteção individual) para se protegerem.

Cuidar de mulheres grávidas, para mim, tem sido um constante exercício de empatia, pois boa parte do que eu aprendi na minha formação acadêmica é violento, então preciso (re)aprender o tempo todo. As gestantes que buscam atendimento em emergência obstétrica tem uma queixa bem comum: dor. Muitas vezes, são dores que não tem uma causa tratável ou que aliviam com medicação. Muitas vezes, a conversa, o acolhimento, o toque suave e o sorriso já trazem o alívio necessário. São mulheres que estão bastante vulneráveis, por diversas questões.

Imaginem, então, pessoas grávidas, com a vulnerabilidade já presente na gestação, apresentando sintomas que possam ser suspeitos de COVID-19. Queria que fosse feito o exercício de se colocar no lugar delas e de seu(sua) acompanhante e tentar imaginar como se sentem.

A gestante vem pra uma maternidade precisando de cuidado em algum âmbito e é colocada sozinha em um ambiente isolado, sem muitas vezes nem entender porquê. Os sintomas que podem sugerir COVID-19 são muito sutis, como um febre referida, um dor na garganta, um nariz escorrendo. Sintomas que nem seriam referidos, se não fossem perguntados ativamente. Uma vez que estão presentes, fazemos o teste para COVID-19 (que demora cerca de 24 h para ficar pronto) e mantemos a gestante isolada das outras que estão assintomáticas. Como não temos testes para todas, muitas vezes deixamos mulheres que estão infectadas, mas assintomáticas, juntos de outras que não estão infectadas. No mundo ideal, deveríamos testar todas, sintomáticas ou não, para isolarmos com segurança.

Manter a ambiência e a assistência ideal para essas mulheres com suspeita de COVID-19 tem sido muito difícil. O encolhimento da quantidade de leitos de obstetrícia para ampliar os leitos voltados a pacientes com COVID-19 tem levado a plantões obstétricos muito movimentados. Com as emergências obstétricas cheias, se até com aquelas tidas como “não-suspeitas” de COVID-19 temos tido dificuldade em manter uma ambiência mínima, imagina para essas que ficam em isolamento.

No SUS, temos que lembrar que lidamos com pessoas muito vulneráveis socialmente e que muitas vezes não tem um mínimo de educação em saúde para entender a importância de um isolamento, então nosso papel transcende ao de somente diagnosticar e tratar, mas também de educar mesmo. É duro, exige paciência (que já nos é tão pouca, tento em vista a sobrecarga de trabalho). Contudo, deixá-las sozinhas, além de violento, é ilegal.

Cabe ao poder público buscar garantir a melhor estrutura possível para acolher esses casos suspeitos de COVID-19 na gestação. Como profissionais de saúde do fronte, temos trabalhado no limite. Mas acreditem: muito mais tem sofrido as mulheres que, nesse momento, precisam parir.

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